‘Não podemos falar de soluções sem entender as complexidades: Kari Guajajara sobre a Amazônia Brasileira

  • A Mongabay entrevistou Kari Guajajara, advogada e primeira indígena a se formar em direito no estado do Maranhão, no Brasil, para ouvir sua opinião sobre alguns dos maiores e mais recentes eventos que afetam as comunidades indígenas e as florestas da Amazônia brasileira.

  • Esses eventos incluem uma operação do governo para expulsar garimpeiros ilegais de um território Munduruku, ameaças à vida de defensores das terras indígenas, a influência do lobby do agronegócio e a queda de popularidade do presidente Lula.

  • Kari Guajajara e outros delegados indígenas foram ao Fórum Permanente da ONU sobre Questões Indígenas, na cidade de Nova York, para destacar os problemas que enfrentam em seu país.

  • Kari Guajajara é advogada da Amazônia Alerta e consultora jurídica da COIAB, uma rede indígena da Amazônia brasileira.

Esta é a última de três entrevistas com representantes indígenas nas Nações Unidas sobre os problemas mais recentes nas florestas amazônicas de seus países. Leia a entrevista sobre a Amazônia Peruana aqui e sobre a Amazônia Colombiana aqui.

CIDADE DE NOVA YORK — Na movimentada selva de concreto da cidade de Nova York, representantes da Floresta Amazônica chegaram ao Fórum Permanente da ONU sobre Questões Indígenas de 2025, um dos maiores encontros de povos indígenas do mundo, para destacar os problemas que eles enfrentam em seus países.

Entre eles estava Kari Guajajara, advogada e a primeira indígena a se formar em Direito no estado do Maranhão, no Brasil. Ela conversou com a Mongabay sobre suas opiniões sobre alguns dos maiores e mais recentes eventos que afetam as comunidades indígenas e as florestas da Amazônia Brasileira, bem como as soluções que acredita serem necessárias.

Nossa conversa abordou a operação em andamento para expulsar garimpeiros ilegais da Terra Indígena Munduruku, no estado do Pará, e a criação ilegal de gado, que pode estar ligada aos assassinatos de defensores das terras indígenas. Também discutimos a influência do lobby do agronegócio nas políticas públicas e a queda da popularidade do presidente Lula. A maior parte da Amazônia está dentro das fronteiras brasileiras, e os três estados com a maior parcela da floresta tropical — que também abrigam muitos povos indígenas isolados — perderam cerca de 23 milhões de hectares (56 milhões de acres) de floresta primária desde 2001.

“O Estado frequentemente tenta abordar a proteção dos territórios indígenas a partir de uma visão única, uma visão unilateral que ignora o que os povos indígenas dizem que está acontecendo dentro do território”, disse Guajajara. “Sem compreender todas as complexidades, não podemos falar em resolver os problemas nesses territórios de forma mais completa.”

Rio Javari
O rio Javari forma a fronteira entre o Brasil e o Peru. Foto de Rhett A. Butler para a Mongabay.

Advogada da etnia Guajajara-Tenetehára, da Terra Indígena Araribóia , no Maranhão, Kari Guajajara é a primeira mulher indígena a ingressar em um curso superior na Universidade Federal do Maranhão. Ela é diretora de parcerias e advogada da Amazônia Alerta, ONG que busca ampliar a representatividade indígena no sistema jurídico brasileiro, e assessora jurídica da COIAB, a rede brasileira de organizações indígenas da Amazônia.

Mongabay: Quais são os principais objetivos da sua presença no fórum?

Kari Guajajara: Então, os principais pontos que nos trouxeram ao fórum permanente este ano, em primeiro lugar, são uma tentativa promovida por um juiz do Supremo Tribunal Federal — a mais alta corte do Brasil — [de abrir uma] câmara de conciliação forçada para tentar conciliar direitos indígenas que não são passíveis de negociação e os impactos que isso pode ter sobre os direitos fundamentais dos povos indígenas, especialmente os direitos territoriais.

Isso acontece no mesmo contexto em que temos uma lei, o marco temporal [tese de marco temporal para anular reivindicações de demarcação em áreas desabitadas por povos indígenas antes de 1988], que é inconstitucional. Essa decisão de inconstitucionalidade é do próprio Supremo Tribunal Federal, que agora instaurou esta comissão.

Outro ponto muito importante que nos traz aqui é o fato de que, historicamente, o Brasil desrespeita o direito à consulta livre e prévia informada dos povos indígenas, ou se o respeita, o instrumentaliza a seu critério ou em favor de seus próprios interesses, especialmente no que se refere aos megaprojetos impostos aos povos indígenas na Amazônia brasileira.

Povos indígenas no Brasil
Povos indígenas no Brasil comemoraram a decisão do Supremo Tribunal Federal de rejeitar a tese do marco temporal que reduziria os direitos indígenas sobre terras ancestrais. Imagem cortesia de Lohana Chaves/Funai.

Então, no Brasil, nós estamos constantemente tendo o direito dos povos indígenas de dizer “não” sendo desrespeitado e esses povos sendo atropelados por projetos que estão contaminando seus corpos, que estão tirando suas vidas.

Mongabay: O governo mantém uma operação em andamento na Terra Indígena Munduruku para remover garimpeiros ilegais, anos após o STF ter solicitado isso. Como você acha que a Polícia Federal deveria conduzir a operação? E como o governo poderia impedir o retorno dos garimpeiros após a conclusão da operação (como já aconteceu em outros lugares)?

Kari Guajajara: O Estado brasileiro precisa, antes de tudo, compreender a complexidade de seu dever, previsto na Constituição Federal, de proteger os territórios indígenas. A proteção dos territórios indígenas não pode se resumir a ações pontuais do Estado dentro desses territórios. O Estado precisa absorver a complexidade dos territórios indígenas sob sua perspectiva econômica, sob sua perspectiva social… sob a perspectiva de toda a complexidade que envolve tanto os territórios quanto a conexão dos povos indígenas com esses territórios.

O problema é que o Estado frequentemente tenta resolver a questão da proteção dos territórios indígenas a partir de uma visão única — uma visão unilateral que ignora o que os povos indígenas dizem que está acontecendo no território [e] a visão deles quando se trata de implementar políticas públicas. Portanto, quando os povos indígenas exigem que o Estado brasileiro exerça seu dever de proteger esses territórios, eles também o exigem que entenda sob que perspectiva isso pode ser resolvido.

Garimpo ilegal na Terra Indígena Munduruku
Garimpo ilegal na Terra Indígena Munduruku em 2020. Imagem de Marizilda Cruppe/Amazônia Real/Amazon Watch.
Terra Indígena Munduruku, no Pará
Forças federais têm expulsado garimpeiros ilegais de áreas protegidas como a Terra Indígena Munduruku, no Pará. Imagem cortesia da Polícia Federal.

Ao adotar estratégias históricas que não funcionam, de fazer operações pontuais que não entendem as questões sociais que cercam esse território, que não entendem o dinamismo cultural dos povos que vivem nesses territórios, sem nos permitirmos entender toda essa complexidade, não podemos falar em resolver os problemas desses territórios de uma forma mais completa.

Obviamente, não há uma resposta única para resolver esses problemas.

No entanto, um bom exemplo, sem dúvida, seria o fortalecimento dos planos de gestão ambiental e territorial dos povos indígenas. São como planos de vida, elaborados por esses povos (que oferecem pouca resposta). Esses planos não se limitam ao combate imediato a todos esses invasores e criminosos, mas também abordam a vida a longo prazo dos territórios e como o Estado pode contribuir, a longo prazo, para a manutenção da vida dos territórios e dos povos indígenas.

Mongabay: Uma investigação da Mongabay constatou a existência de criação ilegal de gado na Terra Indígena Araiboia e a possibilidade de ligação com o assassinato de lideranças indígenas Guajajajara. Você tem algum comentário sobre o que o governo deveria fazer em relação a essa situação?

Kari Guajajara: Bem, esse problema da pecuária ilegal em terras indígenas, ou na Terra Indígena Aribóia, não é um problema recente. E certamente tem uma correlação direta com o assassinato de povos indígenas, especialmente de lideranças na Terra Indígena Araibóia.

Como sabemos, desde 2007, existe um grupo específico de pessoas que vem combatendo crimes ambientais no território devido à omissão ou ausência do Estado em cumprir seu dever de proteção. Esse grupo é o dos Guardiões da Floresta. E desde que o povo de Arariboia se mobilizou para proteger o território, há aqueles que se sentem ameaçados, ou seja, as pessoas que estão cometendo atos ilícitos dentro desses territórios. Entre esse grupo de pessoas, também há pecuaristas não indígenas que invadem o território, direta ou indiretamente.

“Guardiões da Floresta” Paulo Paulino Guajajara (esquerda) e Laércio Guajajara (direita) posam para uma foto antes de sair em patrulha na reserva indígena de Araribóia, no estado do Maranhão, em 30 de janeiro de 2019. Paulo Paulino Guajajara foi morto em uma emboscada por madeireiros em 2019. Imagem de Karla Mendes/Mongabay.

Em vista do que está acontecendo, nós, moradores da Arariboia — porque eu sou da Terra Indígena Arariboia — solicitamos à Comissão Interamericana de Direitos Humanos [e em ação judicial no Supremo Tribunal Federal] a proteção imediata do território Araribóia. A resposta do Estado a esses pedidos foi a remoção dos invasores da Terra Indígena Arariboia.

A operação de retirada de invasores ocorre justamente nesse contexto de violações históricas à Terra Indígena Arariboia e da correlação direta disso com os assassinatos e ameaças às lideranças indígenas que enfrentam esses ilícitos por ausência do Estado.

Neste exato momento, na Terra Indígena Arariboia, estão ocorrendo operações de desmonte, e diversas lideranças indígenas estão sendo novamente ameaçadas. Isso inclui a própria ministra dos Povos Indígenas, que está sendo ameaçada, bem como diversas outras lideranças do território por apoiarem a remoção de invasores. Essas ameaças vêm direta e principalmente de pessoas que cometem atos ilícitos dentro da Terra Indígena Araibóia ou que apoiam a prática desses atos ilícitos dentro dela.

Mongabay: Em Mamoria Grande, um homem isolado ganhou as manchetes ao visitar uma comunidade perto do Rio Purus. A Mongabay constatou que a área onde ele estava é cercada por desmatamento. Uma das fontes desse desmatamento são as atividades agrícolas e a busca por mais terras por parte de pecuaristas. Na sua opinião, o lobby do agronegócio, atualmente poderoso no Brasil, pode influenciar políticas que possam abrir ou proteger as florestas das quais os povos isolados dependem?

Kari Guajajara: Não há dúvidas de que a demora na confirmação dos registros de povos isolados no Brasil também está relacionada ao lobby feito para tentar impedir a demarcação de territórios, empreendido principalmente por representantes de interesses do agronegócio.

Uma família indígena isolada, composta por um casal e um bebê, perdeu-se do restante do grupo na região de Mamoriá Grande. Imagem cortesia de Daniel Cangussu.

Basta observar que existe uma relação muito próxima entre o lento progresso na confirmação da presença de povos indígenas isolados — a confirmação e o reconhecimento dos registros de sua existência — e a demarcação e proteção de territórios indígenas. Vários registros ainda não confirmados estão, em sua maioria, fora dos territórios indígenas, o que significa que o Estado não está avançando na demarcação ou, pelo menos, na segurança mínima desses territórios.

Grande parte dos locais para onde esses registros apontam está desmatada, o que significa que temos registros de indígenas isolados em terras não demarcadas, em áreas não demarcadas, com proteção precária. Apenas uma parcela está em territórios efetivamente demarcados.

Portanto, acreditamos que existe uma correlação muito próxima entre o processo de confirmação do reconhecimento da presença de povos indígenas isolados e o lobby pela não demarcação desses territórios. E quanto mais lobby temos, mais temos essa política de violação dos direitos dos povos indígenas. Por meio desse lobby, temos um atraso na demarcação de territórios e no próprio reconhecimento da existência desses povos indígenas isolados.

Mongabay: Neste momento, o presidente Lula, que iniciou seu mandato com medidas para proteger os direitos indígenas, enfrenta baixos níveis de popularidade no país. Como você acha que ele deveria abordar as questões indígenas?

Kari Guajajara: Bem, da minha parte, como advogada indígena — como indígena também —, obviamente, minha resposta imediata é que o presidente Lula deveria defender ou pelo menos zelar pelo que é devidamente protegido para os povos indígenas: zelar pelos nossos direitos constitucionais em termos do que está delimitado e zelar pela segurança dos nossos direitos e garantias, que também estão registrados em acordos e tratados internacionais. Ele deveria se comprometer com a execução plena e efetiva dos direitos e garantias dos povos indígenas.

Luiz Inácio Lula da Silva criou uma força-tarefa para expulsar garimpeiros ilegais
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de branco, criou uma força-tarefa para expulsar garimpeiros ilegais da Terra Indígena Yanomami como uma de suas primeiras prioridades. Imagem de Ricardo Stuckert/PR via Wikimedia Commons (CC BY 2.0).

Apesar disso, entendemos também que há um processo de advocacy por parte de setores contrários aos direitos dos povos indígenas, e isso também influencia diretamente na forma como Lula prioriza o tratamento dos direitos dos povos indígenas.

Compreendendo a complexidade e a importância dos nossos territórios, do nosso conhecimento e, consequentemente, das nossas vidas — não apenas para nós, mas para toda a humanidade — Lula deveria tratar os direitos dos povos indígenas como prioridade máxima hoje. Ele deveria entender principalmente que lidar com os povos indígenas e nossos territórios é uma estratégia para lidar com a própria questão climática.

Imagem do banner: Advogada indígena brasileira Kari Guajajara. Imagem da USAID via Flickr (CC BY-NC 2.0).

Sustentar o céu ou caminhar ao precipício

Atacar os direitos territoriais dos povos indígenas é estar um passo mais perto do fim do mundo. Parece alarmante em uma primeira leitura, mas é um cenário catastrófico que se aproxima, conforme os relatórios do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas das Nações Unidas. As terras indígenas, que são os maiores locais de segurança climática no Brasil, enfrentam a tese do marco temporal, que prevê que os povos indígenas só teriam direito aos territórios constitucionalmente garantidos se estivessem nele no dia da promulgação da Constituição Federal de 1988. Esta tese tentou se incorporar ao ordenamento jurídico brasileiro pelos três Poderes da República.

No Poder Executivo, pelo Parecer 001/2017, que tornou obrigatória a sua aplicação em toda a administração pública federal. No Poder Legislativo, pela Lei 14.701/23, que tenta instituí-la por meio de lei. No Poder Judiciário, pelo julgamento do caso do Recurso Extraordinário 1.017.365, que teve seu efeito estendido a todos os casos semelhantes por meio do reconhecimento de sua repercussão geral, e que refutou a tese do marco temporal, em favor dos direitos territoriais indígenas; e mais recentemente pela discussão reaberta no julgamento conjunto das Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7582, 7583, 7586, Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 87, e Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 86.

O Parecer 001/2017 ainda não foi revogado, permanecendo em vigor. A Lei 14.701/23 foi criada pelo Projeto de Lei 2.903/23, aprovado em setembro de 2023 pelo Congresso Nacional. O julgamento da repercussão geral no Supremo Tribunal Federal tornou a tese do Marco Temporal inconstitucional, portanto incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro, também em setembro. Em outubro, o Presidente Lula vetou a tese do Marco Temporal do PL 2.903/23, respeitando a Constituição Federal de 1988 e sua interpretação confirmada pela Corte Suprema. Em dezembro de 2023, o Congresso Nacional derrubou o veto presidencial, insistindo em tornar legal o que já foi declarado inconstitucional.

A tese do marco temporal é uma aberração que muito pouco possui de fundamento jurídico. Carolina Santana demonstra em sua pesquisa doutoral como o marco temporal é mais um elo de uma cadeia de argumentos com intenções desconstituintes sobre os direitos indígenas. Seu objetivo é estabelecer um marco arbitrário no tempo em que um povo indígena deveria estar em suas terras, para fazer jus a elas, estabelecendo a data de 5 de outubro de 1988, mesma data da promulgação da Constituição Federal brasileira atual. Em sua tese, Santana analisou os anais da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-86, entrevistou ministros do Supremo e deputados constituintes, e analisou processos judiciais de anulação demarcatória. Ao cruzar os dados, fica evidente que a tese do marco temporal não é parte da vontade constituinte.

Sendo os povos indígenas guardiões das florestas e, portanto, do clima, isso significa uma insegurança jurídica que será o fim de um direito constitucionalmente garantido para centenas de terras indígenas que terá efeitos diretos na crise climática. Embora a tese do marco temporal seja inconstitucional em sua proposta, uma vez que o Art. 231 da Constituição Federal determina que os direitos territoriais indígenas são originários – portanto, existem antes mesmo da formação do Estado brasileiro – ela foi usada em muitos casos judiciais para pedir e também justificar a anulação de processos de demarcação de terras indígenas.

Por ser uma tese que coloca em disputa direitos humanos dos povos indígenas e direitos de propriedade — sejam eles legalmente adquiridos ou fraudados por meio de grilagem de terras — houve decisões judiciais que a admitiram e que a refutaram. Em razão disso, o Supremo Tribunal Federal levou um caso concreto para discussão, no qual seus efeitos foram extensíveis a todos os casos semelhantes. Trata-se do Recurso Extraordinário 1.017.365/SC, na qual há um conflito entre o povo indígena Xokleng da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ e uma fundação pública do estado de Santa Catarina. Em setembro de 2023, esse julgamento foi concluído refutando a tese do Marco Temporal e afirmando os direitos constitucionais dos povos indígenas. A discussão foi reaberta, quando não deveria ser, em razão do julgamento conjunto das ADIs 7582, 7583, 7586, ADC 87 e ADO 86.

As terras indígenas e as Unidades de Conservação são os principais bolsões de segurança climática que temos no mundo. A definição da inconstitucionalidade do marco temporal é necessária não só como respeito ao constitucionalismo brasileiro e à vontade constituinte da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-88, como também por uma questão humanitária. Ao julgar o RE 1.017.365, o Supremo Tribunal Federal julgou o maior litígio climático do planeta, considerando o impacto que terá sobre a demarcação de terras indígenas. A Corte Constitucional brasileira teve em suas mãos o caso que definirá, não só o respeito aos direitos fundamentais dos povos indígenas protegidos pela vontade constituinte, mas também se estamos a um passo de sustentar um pouco mais o céu, como diz Davi Yanomami, ou de nos aproximarmos do fim do mundo como conhecemos. Nossa geração é testemunha dos efeitos da crise climática, como observamos ano a ano nos incêndios florestais na Califórnia, nas ondas de calor na Europa, ou na seca dos rios Amazônicos. Cabe agora novamente ao Supremo brasileiro afirmar sua autoridade constitucional e decidir se estaremos mais perto do colapso climático ou se o Brasil seguirá seu papel de liderança global pela proteção socioambiental.

*Lucas Cravo é doutorando em direito pela Universidade de Brasília (2022-atual). Visiting scholar na New York University (2024-atual), como bolsista do programa Doctoral Dissertation Research Award, da Comissão Fulbright Brasil. Mestre em direito pela Universidade de Brasília (2018-2020), com período de visita técnica na Flinders University, como bolsista do Programa de Excelência Acadêmica da CAPES. Graduado em direito pela Universidade Federal Fluminense (2011-2016), com período de mobilidade acadêmica na Universidade de Coimbra. Sócio de Cravo & Santana – Advocacia, escritório de advocacia de interesse público que atua em defesa de direitos socioambientais.

Este artigo foi escrito por Lucas para a edição 160 do boletim do WBO, datado de 4 de abril de 2025. A Brazil Office Alliance é uma rede especializada dedicada a refletir sobre o Brasil e apoiar ações que fortaleçam o papel da sociedade civil e de instituições comprometidas com a promoção e defesa da democracia, dos direitos humanos, das liberdades e do desenvolvimento socioeconômico e ambiental sustentável no país. A WBO atua de forma independente e apartidária, respeitando a diversidade, a dignidade humana, o diálogo inclusivo e com o compromisso com ideias, atividades e políticas baseadas em evidências. 

Clínica de Direitos Indígenas da Amazônia em parceria com o Instituto AmazôniAlerta fortalece a defesa jurídica dos povos da Amazônia

Iniciativa reúne formação e definição de estratégias para resolução de casos concretos  junto a advogados e estudantes indígenas para garantir a proteção dos direitos dos povos originários

Por: Kari Guajajara e Robson Delgado Baré

A despeito do Brasil contar com uma Constituição indiscutivelmente baseada em princípios que visam a construção de uma sociedade pluriétnica e multicultural através da consolidação, valorização e promoção das diferenças culturais e diversidade étnica e social do país, os cenários político e jurídico, que ao longo da história submeteram os povos indígenas a desafios persistentes, continuam sendo intensificados.  Os ataques a direitos e garantias não apenas ameaçam o patrimônio cultural e ambiental das comunidades, mas, colocam em risco seus direitos fundamentais ao território e à vida. Diante desse contexto, é evidente para nós a importância de empreender estratégias que sejam capazes de enfrentar o contexto mencionado. 

Nesse sentido, o departamento jurídico da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), junto ao Instituto AmazôniAlerta, tem fortalecido a qualificação contínua de profissionais indígenas para manter uma assessoria especializada junto às organizações e povos indígenas a partir de iniciativas como a Clínica de Direitos Indígenas da Amazônia. 

O objetivo principal da Clínica é oferecer formação prática e suporte de excelência para advogadas/os indígenas que atuam diretamente em organizações de base do movimento indígena e para estudantes de direito. O espaço de formação proposto pela Clínica é inovador. Trata-se de uma formação de longo-prazo, continuada, com periodicidade mensal regular, voltada para a advocacia indígena, tratando de um tema que possui escassez de profissionais que o dominem: a defesa dos direitos indígenas. 

Participam da Clínica, dentre outros, membros da Rede de Advogados e Advogadas Indígenas da Amazônia como estratégia de garantir formação e suporte técnico frente às demandas específicas e desafiadoras dos povos indígenas da Amazônia. 

Atualmente a Clínica de Direitos Indígenas da Coiab é composta por indígenas de diferentes povos: Guajajara, Baré, Tukano, Kokama, Apurinã, Macuxi, Wapichana, Manchineri, Yawalapíti, Huni Kuî, Amondawa e Tembé. De estados como: Acre, Amazonas, Maranhão, Mato-Grosso, Pará, Rondônia e Roraima.

“Garantir um espaço seguro e qualificado para advogados(as) indígenas e estudantes de direito significa potencializar a luta coletiva indígena considerando que buscamos na Clínica, não apenas a qualificação, mais principalmente, a definição de estratégia conjuntas para resolução de casos concretos” afirma Kari Guajajara, coordenadora da assessoria jurídica da Coiab.

A Clínica já teve aulas com participação do Advogado Miguel Godoy, professor de Direito Constitucional na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e na Universidade de Brasília (UnB) e Advogada Melina Fachin, professora de Direito Internacional dos Direitos Humanos na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e diretora da Faculdade de Direito da mesma universidade.

Para Lucas Cravo, Advogado da AmazôniAlerta, parceria com a Coiab, a Clínica de Direitos Indígenas da Amazônia representa avanço para o corpo jurídico do movimento indígena da Amazônia Brasileira “A Clínica tem o objetivo de colaborar com a formação de longo prazo de jovens advogadas/os indígenas que querem usar a advocacia como instrumento de luta em defesa dos direitos indígenas. Uma iniciativa inovadora de formação porque se propõe a criar um espaço permanente, de confiança, onde a advocacia indígena da rede coiab pode refinar seus conhecimentos técnicos discutindo os casos que estão atuando”, conclui.

A proposta é clara: potencializar a luta e as ferramentas dos povos da floresta para que possam enfrentar os desafios impostos a seus direitos e garantias. A Clínica de Direitos Indígenas da Amazônia surge, assim, como um marco no fortalecimento institucional dos povos indígenas da Amazônia, garantindo que a justiça também fale as línguas da floresta.

Para os interessados em participar da Clínica de Direitos Indígenas da Amazônia, é necessário que a pessoa envie um e-mail para o jurídico da Coiab e jurídico e AmazôniAlerta, relatando sua trajetória e informar qual organização está vinculada.

E-mail jurídico Coiab: juridico@coiab.org.br

E-mail jurídico AmazôniAlerta: juridico@amazonialerta.org

 

Clínica de Direitos Indígenas

O AmazoniAlerta, em parceria com a Coiab – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, lançou um treinamento jurídico continuado sobre Direito Indígena para advogados indígenas.

A iniciativa surgiu da percepção de que a demanda por advogados especializados em Direito Indígena tem sido muito maior do que as universidades e cursos são capazes de formar. 

“Até porque as faculdades de Direito não têm essa matéria como uma disciplina, e existem poucos cursos de especialização”, explica Lucas Cravo de Oliveira, advogado da equipe jurídica do AmazoniAlerta que coordena a formação. “Ou seja, essa especialização se aprende na prática,” completa.

Partindo de casos práticos, de grande repercussão ou não, Lucas discute quinzenalmente fundamentos e estratégias do Direito Indígena com um grupo de jovens advogados indígenas ligados à Coiab e ao AmazoniAlerta.

Urgente: Primeira Expedição Revela Invasão na Terra Indígena Uru Eu Wau Wau

Recentemente, realizamos nossa primeira expedição na Terra Indígena Uru Eu Wau Wau, em Rondônia, em parceria com a Associação dos Povos Indígenas Amondawa (APIA). Essa expedição é um marco importante na nossa missão de monitorar e defender esses territórios sagrados. Infelizmente, os achados da nossa jornada são muito preocupantes e destacam a necessidade urgente de vigilância contínua e ação imediata.

Nossa equipe, formada por membros da AmazoniAlerta, APIA, Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e o Batalhão de Polícia Ambiental (BPA), embarcou nesta missão crítica de 9 a 20 de maio de 2024. O objetivo principal era monitorar e documentar quaisquer atividades ilegais que ameaçassem a integridade das terras indígenas e reunir evidências para proteger essas áreas.

Descobertas Preocupantes

Ao explorar as extensas áreas do rio Urupá e da Serra da Porta, encontramos várias atividades ilícitas:

Acampamentos Abandonados por Invasores: Encontramos vários acampamentos usados por invasores. Esses locais estavam cheios de lixo, incluindo resíduos plásticos, garrafas vazias e cartuchos de munição usados, indicando atividade humana recente.

Caça Ilegal: Sinais de caça ilegal eram frequentes. Encontramos animais, especificamente porcos selvagens, presos em anzóis deixados por caçadores, representando uma ameaça significativa para a vida selvagem local. Os animais presos foram removidos e as armadilhas foram desmanteladas para prevenir mais danos.

Operações de Mineração Ilegal: Talvez a descoberta mais alarmante tenha sido a presença de atividades de mineração ilegal. Identificamos áreas onde mineradores montaram operações, claramente violando as proteções da terra indígena. O dano ambiental causado por essas atividades era evidente, com terra destruída e fontes de água contaminadas.

Nossa equipe jurídica está compilando relatórios detalhados com base nas nossas descobertas. Esses relatórios serão submetidos às autoridades competentes, incluindo agências de aplicação da lei locais e federais, para garantir que ações apropriadas sejam tomadas para resolver essas violações. Estamos comprometidos em trabalhar de perto com as autoridades para levar os responsáveis à justiça e prevenir novas invasões nas terras indígenas.

Nosso Compromisso

Esta expedição reforça nosso compromisso inabalável com a proteção dos direitos e territórios dos povos indígenas. As descobertas alarmantes feitas durante nossa jornada destacam a necessidade crítica de monitoramento contínuo e intervenção. Continuaremos a defender essas terras, apoiar as comunidades indígenas e aumentar a conscientização sobre as ameaças que elas enfrentam.

Como Você Pode Ajudar

Seu apoio é crucial na nossa luta para proteger os territórios indígenas. A suas doação nos ajuda a financiar expedições, ações legais e trabalhos de defesa para proteger as terras e os direitos indígenas. Contribua hoje para apoiar nossa missão. Juntos, podemos garantir que a Terra Indígena Uru Eu Wau Wau e outras áreas vulneráveis sejam protegidas para as futuras gerações.

Entre em contato com Nick Hackworth sobre doações: nick@amazonialerta.org

AmazoniAlerta e Coapima assinar cooperação para defender os direitos dos povos indígenas de Maranhão

Coapima (Coordenação Das Organizações E Articulações Dos Povos Indigenas Do Maranhão) e AmazoniAlerta firmaram um termo de cooperação para fortalecimento da incidência em prol povos indígenas do Maranhão.

A cooperação visa unir esforços em pautas prioritárias, destacando-se o monitoramento territorial e a coleta e qualificação de informações para advocacy.

Conheça Jocivaldo Guajajara, primeiro estagiário da AmazoniAlerta

Jocivaldo Guajajara é o primeiro beneficiário da bolsa AmazoniAlerta para estudantes de direito indígena e um estagiário dedicado que está fazendo avanços impactantes no direito indígena.

Por que isso é importante?

Ter Jocivaldo em nossa equipe é um marco significativo. Sua presença e trabalho ressaltam a importância da representação indígena no campo jurídico. Como estudante do terceiro ano de Direito na Faculdade UniBras em Santa Inês, Maranhão, Jocivaldo traz uma perspectiva única e insights inestimáveis ​​para nossos esforços em direitos fundiários e proteção territorial.

A jornada de Jocivaldo com AmazoniAlerta:
🔹Pesquisa e Análise: Realizamos pesquisas cruciais sobre a situação das leis e decretos estaduais no Pará, aprimorando nossas estratégias jurídicas.
🔹Colaboração e Aprendizagem: Participou ativamente de reuniões importantes e sessões de treinamento, incluindo o treinamento de Agente de Monitoramento Indígena, onde se envolveu com diversas comunidades indígenas e desenvolveu ferramentas vitais de monitoramento.
🔹Advocacia e comunicação: elaborou comunicações importantes para autoridades federais, destacando questões em territórios indígenas e defendendo o apoio e os recursos necessários.

 

Temos orgulho de ter Jocivaldo como parte da equipe AmazoniAlerta. Os seus esforços são uma prova do poder das perspectivas inclusivas e diversas na promoção de mudanças significativas. Vamos apoiar e celebrar as contribuições inestimáveis ​​de profissionais jurídicos indígenas como Jocivaldo em nossa missão coletiva de proteger a Amazônia e defender os direitos indígenas.

Apresentando a segunda equipe de Guardiões Ambientais da AmazoniAlerta

Formada por membros da comunidade Amondawa (@povos.amondawa) que residem na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau (T.I.), a equipe trabalha em colaboração com a FUNAI (@funaioficial) para patrulhar e monitorar o território, reunindo evidências de grilagem de terras, outras violações e desmatamento ilegal. Nossa equipe jurídica interna usa essas evidências para pressionar as autoridades policiais a agir e defender a comunidade em vários processos legais.

Temos orgulho de trabalhar com os Amondawa na defesa de sua bela terra natal.

A terra indígena Uru-Eu-Wau-Wau está localizada no estado de Rondônia, Brasil, e situa-se no limite ocidental do chamado “Arco do Desmatamento.” 

This is one of many key ‘frontlines’ in the struggle to preserve the rainforest.

Kari Guajajara, Diretora da AmazoniAlerta, recebe o Prêmio do Departamento de Estado dos EUA para o Anti-Racismo Global

Kari Guajajara, AmazoniAlerta’s Strategic Partnerships Director and Legal Advisor to COAPIMA (Coordination of the Indigenous Peoples of Maranhão), was honoured as a recipient of the inaugural U.S. State Department’s Award for Global Anti-Racism. Kari was one of six civil society leaders from around the world recognised for advancing the human rights of members of marginalized racial, ethnic, and Indigenous communities and combatting systemic racism, discrimination, and xenophobia. Secretary of State Antony J. Blinken presented the awards in Washington on Tuesday 9 August.

Kari, an Indigenous rights lawyer, is native from the Araribóia Indigenous land and belongs to the Guajajara-Tenetehára People, who have been suffering extensive losses of their traditional territories, devastating losses of life, and disruptions of tradition due to contact with non-Indigenous groups.

Oficina de direitos humanos e negócios para mulheres indígenas

AmazoniAlerta, in partnership with Amazonwatch, Anmiga and IPRI Brasil, staged a workshop on “Human Rights & Business for Indigenous Women” on September 8-9 2023 in Brasilia. AmazoniAlerta directors Carol Suntana and Kari Guajajara staged and spoke at the workshop, focusing on issues and subjects that directly impact the lives and existence of Indigenous women, with the aim of strengthening them in their struggle.